Powered By Blogger

sábado, 3 de julho de 2010

O carro na oficina

O carro na oficina
Meus artigos são geralmente longos, este não será diferente, mesmo porque o assunto dá “pano pra manga”.
Apesar da (e talvez por) influência da tecnologia, é bem mais comum do que podemos imaginar, nas organizações, a facilidade com que as pessoas vão deixando de se comunicar no ambiente de trabalho. Documentos, normas, procedimentos, instruções vão sendo deixadas de lado. Talvez pelo excesso de e-mails, as mensagens importantes acabam se misturando com coisas de pouco valor, como simples comunicados, lotando caixas de entrada no mundo todo.
Os líderes, por sua vez, deixam de conversar, discutir com as equipes tanto os problemas rotineiros quanto de esclarecer as orientações recebidas, vindas “de cima”. O planejamento estratégico é uma vítima emblemática do engavetamento, depois de semanas para ser elaborado, nobre representante de outros documentos importantes (normas, procedimentos, manuais) que acabam perdidos nas gavetas. Poucos são encontrados, raros são lidos e quase nenhum é discutido e esclarecido pela equipe a que se destina.
O resultado é que as equipes trabalham sem motivação: não são ouvidas, logo seus questionamentos e idéias na chegam ao topo da hierarquia; os executivos, desconhecendo a realidade do chão de fábrica, tomam decisões top-down; e o corpo tático não consegue dar o resultado desejado pela empresa nem estimular os colaboradores, porque não se comunicam como deveriam, nem com o andar de cima, nem com suas equipes, muito menos com seus pares (é cada um por si). As coisas vão sendo “tocadas”.
Recentemente precisei dar uma palestra para alguns líderes na organização onde trabalho: numa certa unidade da empresa, encontrei os mesmos problemas que se encontram em qualquer outro ambiente corporativo, seja qual for o negócio. E as causas dos problemas, também não é novidade nesta ou naquela empresa, estavam relacionadas à comunicação.
                Após discutirmos planos de ação diversos, para que meus colegas se convencessem das causas e da urgência das soluções, recorri a um exemplo que chamei de “conceito do carro na oficina”. Não é uma teoria científica, mas uma analogia que, acredito, serviu para desafiar meus ouvintes a mudarem a postura diante do status quo, do “fazemos assim porque todo mundo já faz”, do “não adianta, isso já é costume”. Palestrantes chamam de “síndrome de Gabriela”.
                Vamos ao conceito: quando você leva o carro ao mecânico, seja para resolver um problema ou simplesmente fazer uma manutenção, você simplesmente entra na oficina, desliga o carro, alarma e sai de fininho, esperando que o mecânico consiga abrir o carro e ficar tentando adivinhar o motivo de você ter lavado o carro lá? Você se esconde na esquina e diz “ele é mecânico, já sabe tudo de carro, fiz a minha parte, levei o carro à oficina”? E espera que ele já faça o serviço e deixe na sua porta, com o valor debitado no seu cartão de crédito?
                Naturalmente a resposta é “não”. Carro é uma coisa com a qual o ser humano tende a se preocupar. Nele se investiu algum recurso e dele se espera um funcionamento que envolve, no mínimo, baixo consumo, bom desempenho, conforto e funcionamento seguro e regular. Levamos o carro a uma oficina para consertar um problema aparente ou para prevenir problemas.
                Para tanto, ao levar o carro à oficina, é possível afirmar que, se não na mesma hora, mais tarde por telefone, ou antes mesmo, quase 100% dos donos queiram explicar ao mecânico: o motivo de levar o carro à oficina; os sintomas observados (ou a necessidade da revisão preventiva); desde quando a percepção do sintoma foi verificada e se quer ficar com o carro ou passar adiante (quando a ética falta e o dono quer mascarar o problema, para economizar uns trocados).
                Pode-se ainda afirmar que quase todos os donos de veículos esperam do mecânico algum diagnóstico, seguido de um prazo para o conserto e, principalmente, de um orçamento, sem esquecer da garantia do serviço ou produto aplicado ao carro. Também não tenho medo de errar quando digo que uma maioria esmagadora pechincha, negocia o valor a pagar para ver a situação estabilizada.
                Então eu pergunto: por que não é assim quando levamos um documento, mandamos um e-mail, entregamos um manual de ética a um novato, encaminhamos um colaborador ou quando mandamos um valor (cheque, dinheiro ou coisa do gênero) a um determinado setor, a um colega da sala ao lado? Quando passamos uma nova orientação a um subordinado e, em alguns casos, quando atendemos a uma solicitação do cliente, do chefe, ou de quem quer que precise de nós? Por que não temos a mesma preocupação lá da conversa com o mecânico quando se trata de assunto profissional?
                Deixa que eu respondo: porque dá trabalho. Porque eu preciso me expor, preciso ler, conhecer o assunto, estar atualizado, compreender para poder ir lá e esclarecer direitinho do que se trata. E digo mais: porque pode ser que a pessoa precise da minha ajuda depois. Talvez sobre pra mim. Ela pode questionar e acabar descobrindo que estou passando adiante uma responsabilidade minha. Ou pelo menos a minha parte da responsabilidade. Vou mais longe: por que nos habituamos a achar que o colega, o chefe, o subordinado tem uma capacidade incomum de adivinhar a situação envolvida no e-mail mal redigido, no papel deixado sobre a mesa, na pessoa encaminhada sem ter sido orientada.
                Não somos preguiçosos, apenas procuramos o mais fácil de fazer. E o mais fácil agora é passar adiante. Mesmo que isso gere retrabalho. Retrabalho gera estresse, erro, demanda um volume de energia desnecessariamente, que acaba sugando nossa capacidade de se comunicar com clareza e objetividade (não temos tempo, é tanta coisa...). Pronto, temos uma bola de neve, um ciclo vicioso.
                Para quebrar este ciclo, é preciso retomar as negociações. É preciso um consenso sobre como a informação será passada adiante. Deve existir um objetivo na informação, não apenas um trânsito de dados sem significado. E este objetivo deve ser a melhoria contínua do nível de serviço, da qualidade nas atividades, reduzindo o retrabalho, o estresse e a falta de tempo para se dedicar ao esclarecimento do assunto tratado, até que possamos ter certeza de que não haverá erros no processo: eu te passo a informação correta e suficiente, você sabe o que fazer, passa adiante da mesma forma, mantendo o risco de erro em níveis aceitáveis (prefiro desprezíveis).
                Opa, atenção! Não podemos aumentar nossa aceitabilidade até chegar ao nível dos erros. Precisamos baixar os erros a um nível que, para ser chamado de aceitável deve ser, aí sim, estabelecido com base científica, obtido por meio de técnicas de administração da qualidade e lastreados nos objetivos estratégicos da organização.
                E você, também vai largar o “carro na oficina” e sair de fininho?