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sábado, 28 de maio de 2011

Tentando não emburrecer

Semana passada eu não postei nada aqui no blog. Mas assisti ao filme “O Leitor”, o que me leva a um post dobrado, feito tapioca. Lá vai.

Na Alemanha pós-guerra, um jovem estudante tem um relacionamento com uma ex-carcereira nazista, Hanna. Ela é analfabeta, ele lê para ela, que se emociona com os textos. Mais tarde Hanna é condenada, por um tribunal de guerra, à prisão perpétua, por um crime cometido contra prisioneiras de Auschwitz. Poderia ter pego quatro anos mas foi pegou pena máxima porque assumiu a autoria de um relatório sobre o incidente que ela, analfabeta, não poderia ter preenchido. Ela, entretanto, preferiu assumir o relatório a admitir o analfabetismo.

O filme me fez pensar: quando não fomos expostos ao conhecimento não temos responsabilidade sobre ele. Mas quando você passa, por exemplo, por uma faculdade e sai do mesmo jeito que entrou – não aprendeu nada, empurrou com a barriga – você “emburreceu” voluntariamente - mesmo sendo inteligente. Antes você não sabia por que não tinha acesso ao conhecimento. Agora você não sabe por que não conseguiu (ou pior, não quis) absorver o conhecimento ao qual esteve exposto. E não foi uma exposição aleatória, você passou anos submetido a um sistema de ensino com métodos, técnicas e avaliações. O jeito é fingir que sabe, como Hanna, mesmo que isso lhe custe caro. Mas nunca é cedo nem nunca é tarde para o aprendizado. Vejamos:

Quem estuda sistemas de informação – numa graduação, num curso profissionalizante ou numa disciplina em outro curso, logo aprende o caminho progressivo da informação. Este conceito é indispensável para nós que vivemos a chamada era ou sociedade do conhecimento.
Tudo começa com o dado, aquela partícula bruta e sem significado. Depois vem a informação, um conjunto de dados que, submetido a determinada situação, ganha significado e contexto.  Sim, porque mesmo uma montanha recheada de toneladas de dados, se estes não forem cimentados com significado e assentados sobre um contexto, não passará de uma montanha, apenas.

A informação, então, pode ser comparada a um átomo, composto de seus elétrons, íons, nêutrons e outras partículas que surpreendem os cientistas ao serem descobertas. Tais partículas só fazem algum sentido funcional quando, juntas, constituem o todo, o átomo.

Agora sim, passa-se ao conhecimento. Davenport afirma que o conhecimento é a informação com valor agregado, porque, segundo ele, à informação foi adicionada uma interpretação, uma ligação com o contexto sobre a qual ela foi assentada. Quando as pessoas processam a informação à qual foram expostas, quando usam informação para processar informação, pensam, raciocinam e devolvem esta informação enriquecida, pronto, produziram conhecimento.

O conhecimento é intrínseco ao indivíduo. Mas é também objeto de domínio comum, público. Foi produzido e está aí, à disposição, como o oxigênio no ar. Ocorre que, como o pulmão desempenha um processo fisiológico para extrair o oxigênio do ar, o conhecimento precisa ser garimpado, extraído do mar de dados e informações existentes nos diversos meios – papel, internet, televisão, rádio, fala, gestos, sinais, etc.

O conhecimento adquirido não pode ser tomado de volta. Um ladrão leva seu celular, seu notebook cheio de informações, mas não pode tomar o que você aprendeu. Isso você pode passar adiante, pode ser doado, mas não tomado. Ou morre com você ou se perde em caso de algum evento que danifique seu sistema cerebral – amnésia, acidente vascular, traumatismo, coisas da ordem.

Pulando a complexidade dos processos de transformação de dado em informação, desta em conhecimento e deste em ciência, podemos dizer que a ciência é a sistematização do conhecimento. Alguém escreveu no Wikipedia que ciência é um sistema de aquisição de conhecimento através de um método. É a forma racional, sistemática de se produzir conhecimento, através de processos cognitivos e sociais.

Hã, sei, mas, para quê toda essa conversa? Para que sejamos racionais, sistemáticos, metódicos e perspicazes na produção do nosso conhecimento, para que, quem sabe, possamos produzir também ciência. O tempo é muito curto e o volume de dados, informações, conhecimento e ciência já produzidos a e se produzir é infinito. É um conceito econômico, as necessidades humanas são infinitas enquanto os recursos são escassos. Claro, ninguém vai ser tão caxias, tão chato ao ponto de só pensar “naquilo”. Mas até do ócio se pode tirar algum aprendizado.

Enquanto crianças como uma finalista do “Soletrando” do “Caldeirão do Huck” caminham dezenas de quilômetros para tomarem aula em escolas precárias no sertão nordestino, nós que temos acesso a tanta informação não podemos desdenhar deste acesso e deixar o conhecimento relegado a um segundo, terceiro plano. É como ser saudável e escarnecer de quem é portador de alguma necessidade especial.

Então, quando estivermos numa sala de aula, numa palestra, com um livro na mão, uma revista, assistindo a novela, o futebol, dirigindo ou apenas sentado esperando a vez de aplicar flúor no dente, não deixemos de observar. De medir, analisar, inquirir, questionar. Não deixemos de prestar atenção, de ler, de criticar, de torcer, mas com um olhar clínico, de procurar entender o que os dados que estão na nossa frente nos dizem? Que informações são relevantes e quais são descartáveis? Como adquirir conhecimento necessário para meu próximo movimento, minha próxima ação? Como fazer ciência, como inovar, como encarar meu próximo desafio?

Criemos para nós mesmos metas de eficiência na produção de conhecimento, seja ele técnico, profissional, familiar, espiritual, musical, não importa. O que importa é o seguinte: não existe sorte, o que existe é o encontro da competência com a oportunidade. E para reconhecer uma oportunidade quando ela aparecer, só achismo não serve. "Eu acho queeee" é bordão de jogador de futebol.  E como dizia um professor meu, “achologia” não é ciência. É necessário conhecimento.

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